Histórias Infantis

03-11-2015 20:29

                                                             Uma moeda com sorte 

    Acabei de nascer. Fui cunhada com outras moedas iguais a mim, o que me deixou muito emocionada. Tinha uma família e estava tão feliz, que disse:

- Olá manas, está tudo bem?

    Fiquei muito triste porque não me responderam, mas logo esqueci e comecei a olhar para mim; como era bonita, brilhante, novinha em folha. Ainda mal me tinham observado e já me tinham colocado num envelope para pagar o salário do trabalhador que me cunhou.

    Quando o empregado abriu o envelope e me viu sussurrou admirado:

- És uma das novas! Tenho pena, mas terás que ir comigo até o mercado.

    Fiquei delirante de alegria, agitada, pois pela primeira vez ia conhecer o mundo lá fora.

    No mercado existiam imensas coisas que jamais havia visto. Vi bancas com hortaliças, com peixe, com carne, vi senhoras a apregoar os seus produtos e clientes a regatear. Vi uma banca com flores, lindas, com múltiplas cores e um cheiro suave e delicioso que tudo inundava em seu redor. Foi mesmo ali que o Manuel parou. A sua mulher fazia anos e ele pretendia oferecer-lhe um lindo ramo de tulipas.

    Meteu a mão ao bolso e eu lá fui para a florista com muito gosto. Pela primeira vez estava a ser útil e logo por um motivo tão bonito!

    A florista pôs-me num bolso escuro e fundo do avental, só que… o bolso tinha um buraco e eu caí desamparada num cesto de flores que estava mesmo ali ao lado.

    No cesto estava um belo ramo de rosas, antúrios, cravos e um fantástico pé de orquídeas. Eu, julgando-me muito valiosa, virei-me para as flores e manifestei toda a minha vaidade, o que fez com que todas soltassem uma enorme gargalhada. Uma rosa vermelha ergueu-se por entre as outras e com desdém disse:

- Tu? Valiosa! Tem juízo. Valiosas são as notas que podem comprar flores frescas como nós e outros objectos que nem em toda a tua vida tu o conseguirás.

    Não resisti, as flores foram cruéis comigo. Humilhada e com os olhos marejados de lágrimas, retirei-me para um cantinho do cesto, reduzindo-me à minha insignificância.

    Quando de repente… sinto-me novamente em movimento. A florista havia pegado no cesto das flores e lá fui eu para outro local desconhecido. Pelo caminho, sem querer, fomos contra um senhor que caminhava apressado e o cesto caiu ao chão. Aflita, a florista precipitou-se a apanhar as suas preciosas flores e sem dar por mim deixou-me esquecida encostada ao passeio daquela estrada em que havia imenso movimento.

    Deixei-me ficar assustada e encolhida a observar tudo o que era desconhecido para mim. Vi montes de pernas passarem mesmo ao meu lado, tacões que quase me calcaram e até levei um pontapé de uma bota que me atirou uns metros mais para diante. Até que, se aproximou de mim um homem mal vestido, de sapatos gastos, sujo e com uma cara triste e esfomeada que com um sorriso me apanhou e se dirigiu para uma padaria mesmo ali à nossa frente. Entramos e o homem pediu:

- Quero dois pães com queijo. Dê-me os pães fresquinhos, por favor.

    Retirou-me do bolso, entregou-me ao senhor da padaria e seguiu o seu triste destino, mas desta vez com o estômago um pouco mais aconchegado.

    Foi indescritível a alegria que senti ao ver que contribuí para saciar a fome a alguém necessitado. Fiquei tão vaidosa e orgulhosa como se fosse a moeda mais importante do mundo.

    Ainda estava no meu pensamento a imagem do homem a trincar a sandes de queijo, quando ouvi a voz de uma criança:

    - Pai, pai… tens algum objecto para eu fazer um trabalho para a escola?

    Era o Ivo, o filho do dono da padaria.

    - Procura por aí, que talvez encontres alguma coisa interessante. – Disse o pai.

    O miúdo procurou, procurou, até que abriu a gaveta onde me encontrava, olhou para mim e pensou:

    - Que moeda mais linda e brilhante! É exactamente esta que eu vou levar para a escola.

    Na escola mostrou-me aos colegas e professores e todos eles me acharam muito bonita, o que me envaideceu.

    A escola já era velhinha. Eram já muitos os anos em que diariamente alojava dezenas de crianças carregadas de energia. As paredes tinham alguma humidade necessitavam de ser pintadas, o tecto precisava de ser caiado e o soalho apresentava aqui e ali alguns pequenos buracos.

    Um desses buracos foi a minha nova casa durante alguns anos, pois foi lá que nesse mesmo dia eu caí.

    Bati com uma das faces no chão e um pouco aos trambolhões fui bater num velho pião que há muitos anos lá morava. Olhei à minha volta e fui vendo alguns dos meus novos vizinhos. Além do pião que me parecia ser o ancião daquele lugar, lá estavam alguns berlindes de múltiplas cores, meia dúzia de clipes já um pouco enferrujados e até um soldadinho de chumbo cujas vestes já haviam perdido alguma tinta.

    Estava ainda meia confusa e a tentar perceber tudo à minha volta, quando afastando tudo e todos que se lhe atravessavam no caminho, aproximou-se velozmente um enorme animal que parou em frente a mim, baixou a cabeça, apontou-me o focinho e disse:

    - Olá linda moeda, eu sou o Rato Renato e tu como vieste aqui parar? A partir de agora vais ser o meu espelho e espero que sejamos muito amigos.

    - Quem me deixou cair aqui foi o Ivo… e também gostava de ser tua amiga. – Disse eu a tremer assustada.

    - Esse rapaz é sempre a mesma coisa. É um bom menino, mas é muito distraído. Sabes… sai ao pai, que foi quem me deixou cair aqui há muitos anos atrás. – Disse o soldadinho de chumbo.

    - Enquanto aqui estiveres moedinha, tenta prestar atenção ao que os professores dizem lá em cima. Vais ver que aprenderás muita coisa interessante. – Disse o velho pião rodopiando com elegância.

    Aos poucos e poucos fui-me sentindo mais à vontade.

    - Olha, já agora afasta-te também do Renato, quando ele andar aí armado em carro de fórmula um, como há pouco. – Disse um dos berlindes ainda meio tonto.

    Rimos todos à gargalhada e a partir daí tornamo-nos bons amigos.

    Um dia, volvidos muitos anos a viver neste buraco desta velha escola ouvi um enorme estrondo, mais parecia que um terrível trovão tinha entrado na sala de aulas. Amedrontada, fui ter com o Renato que me disse:

    - Vou fugir daqui moedinha. A escola vai ser demolida. Boa sorte para ti minha linda. Vou sentir a tua falta sempre que me apetecer pentear os bigodes.

    Os meus receios aumentaram, pois corria o risco de ficar soterrada para sempre.

    As paredes já haviam caído, o tecto também e eu sufocava perdida entre o entulho. As máquinas começaram a remover montes de madeira e cimento desfeitos e aos poucos a luz do sol começou a incidir sobre mim. Já o braço mecânico descia quando o condutor viu um brilho sair por entre os destroços. Parou a máquina, desceu até junto de mim e apanhou-me. O José pousou-me na palma da mão esquerda e carinhosamente limpou-me as duas faces com um lenço vermelho que trazia a tapar a boca. Encantado comigo, beijou-me e meteu-me no bolso.

    José pertencia a uma família que há várias gerações coleccionava moedas e logo se apercebeu que eu era valiosa. Lembro-me bem que quando cheguei a sua casa, estava um dia chuvoso, daqueles em que não apetece pôr os pés lá fora.

    Embora não muito grande, a sua colecção que havia sido iniciada pelo seu trisavô era valiosa e ele estimava-a com muito cuidado e carinho. Apesar de não ter muito dinheiro, de vez em quando ia conseguindo acrescentar algumas moedas à sua colecção.

    Depois de limpa e polida, fui colocada junto a outras companheiras, na velha papeleira vinda de casa do avô da Matilde, a mulher de José.Ao meu lado direito estava uma amiga vinda de Espanha que já havia conhecido lugares encantadores, museus, monumentos, pintores, até Dali já tinha pegado nela. À minha esquerda, uma Italiana, conhecia a Fonte de Trevi, o Museu do Vaticano, o Coliseu de Roma e até já tinha tomado banho em Veneza dentro do bolso de um rapazote. Outras tinham vindo da Alemanha, de Inglaterra, de França, enfim do mundo inteiro. Durante anos e anos mantivemos conversas infindáveis, fechadas à chave na gaveta da velha papeleira.   

    Um dia senti uma mão enrugada e trémula a abrir a gaveta. Era o José.Pegou no álbum, colocou-o em cima da mesa, abriu-o, segurou-me entre os dedos e acariciou-me. Tinha a tristeza estampada no rosto. Olhou, voltou a olhar, olhou uma última vez e com uma lágrima escorrendo pelo canto do olho, pegou no álbum e levou-nos até um famoso coleccionador.

    Havia decidido vender a colecção. Ouvi-o dizer com a voz arrastada pela emoção:

    - Sabe sr. Borges, esta colecção foi iniciada há muitos anos pelo meu trisavô, que a deixou ao meu bisavô, foi continuada pelo meu avô, pelo meu pai e agora por mim. Só uma razão tão forte como a saúde do meu filho, me levaria a vendê-la.

    O filho de José sofria de uma grave doença e necessitava de ir aos Estados Unidos para ser operado.

    O sr. Borges avaliou todas as moedas e por fim disse que eu era a mais valiosa e que só o meu valor era suficiente para pagar a operação do Rui.

    Senti uma alegria inexplicável. Quase explodi de orgulho. Servi para salvar a vida de alguém! Jamais poderia imaginar tão nobre destino quando fui cunhada.

    O meu novo dono tinha um museu onde me colocou em exposição, junto com as mais belas e valiosas moedas do mundo. Ali fiquei, exposta numa vitrina do museu, com as luzes sobre mim, tranquila e eternamente bela. Tinha cumprido a minha missão!

    Um bocado infantil demais, não? Esta história é para todas as Raparigas que tiverem irmãos ou irmãs mais novos/as. que moeda sortuda!

    Bem, amanhã volto a trazer conteúdo, agora que organizei a minha vida como deve ser  deve ser mais fácil! Bjinhos da Rapariga!!!

 

 

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